Dr. Roger Pensutti | OAB/PR n. 28.058
No dia 03 de agosto de 2022, o Senado Federal aprovou o Projeto de Lei de Conversão (PLV) n. 21/2022, originário da Medida Provisória (MP) n. 1108/2022, que pretendia redefinir as regras para a concessão e utilização do vale-refeição e do auxílio-alimentação fornecido pelos empregadores aos trabalhadores.
Como já havia passado pela Câmara dos Deputados, o texto foi remetido ao Presidente da República para análise e, no dia 02 de setembro de 2022, foi sancionada a Lei 14.442/2022, a qual trata do assunto ora em comento e que entrará em vigor na data de sua publicação, prevista para 05 de outubro de 2022.
Assim, os trabalhadores e empregadores, as empresas ligadas ao fornecimento destes cartões-benefício e, também, os comerciantes que os aceitam precisam ficar atentos porque as regras quanto à concessão, utilização e aceitação desses vales ficaram mais rígidas.
Os principais desdobramentos práticos da Lei sancionada serão sinteticamente comentados adiante.
VR e VA DEVERÃO SER UTILIZADOS APENAS PARA ALIMENTOS
Antes de mais nada é importante relembrar que o vale-refeição é um benefício que o empregador fornece a seus trabalhadores para que eles possam se alimentar durante o período de trabalho e, costumeiramente, é utilizado para compras em padarias, lanchonetes e restaurantes credenciados.
Já o vale ou auxílio-alimentação refere-se a um benefício fornecido ao colaborador em quantia mensal que deverá ser utilizada para a compra de alimentos em supermercados, mercearias e similares e destinada à obtenção de insumos/gêneros alimentícios e, não exatamente, de refeições prontas para o consumo final e imediato.
Pois bem, feito este esclarecimento, nota-se que a primeira mudança prevista na legislação trata do uso desses vales e diz respeito, justamente, ao fato de que eles deverão ser direcionados, única e exclusivamente, para o pagamento de refeições já preparadas para o consumo ou para a compra de gêneros alimentícios (alimentos negociados como matéria-prima), em estabelecimentos comerciais credenciados.
Assim, percebe-se que o texto legal deixou claro que não será permitido, de forma alguma, usar o benefício para a compra, por exemplo, de cigarros e bebidas alcoólicas ou para o pagamento de qualquer outro produto ou serviço que não tenha rigorosa ligação com a alimentação do trabalhador.
Esta vedação foi sugerida e aprovada a fim evitar que tais vales sejam direcionados ao pagamento de uma infinidade de outras coisas, desvirtuando a finalidade de sua criação, focada exatamente na alimentação do trabalhador.
Vê-se, então, que a Lei sancionada busca garantir que o benefício seja utilizado correta e exclusivamente para o pagamento de refeições e alimentos, coibindo a comercialização de quaisquer produtos que não sejam do gênero alimentício, o que, notoriamente, vinha acontecendo com frequência e sem qualquer pudor.
A propósito, o regramento aprovado prevê que, caso alguma fraude dessa espécie aconteça, as empresas que dela participarem se submeterão à aplicação de multas, como veremos a seguir, ou até ao descredenciamento do serviço, o que valerá tanto para o estabelecimento que está comercializando produtos irregularmente, como para a empresa que o credenciou.
CONTRATAÇÃO
Outra modificação aprovada prevê o fim de privilégios para que empresas empregadoras contratem bandeiras específicas de cartões.
Atualmente é permitido que as operadoras ofereçam benefícios aos empregadores que contratam seus serviços.
A Lei aprovada veda, expressamente, a possibilidade de qualquer tipo de deságio ou imposição de descontos sobre o valor contratado, concessão de prazos de repasse ou pagamento que descaracterizem a natureza pré-paga dos valores a serem disponibilizados aos empregados ou oferecimento de outras verbas e benefícios diretos ou indiretos de qualquer natureza não vinculados diretamente à promoção de saúde e segurança alimentar do empregado, no âmbito de contratos firmados com empresas emissoras de instrumentos de pagamento de auxílio-alimentação.
A título de exemplo, sabe-se que é comum as empresas ‘bandeiras’ que administram os cartões concordarem em ter um prejuízo inicial para depois descontarem as perdas junto aos locais que aceitam o benefício, com cobranças de taxas mais altas destes comerciantes.
Como consequência desta manobra, os estabelecimentos acabam por repassar tal prejuízo para o trabalhador, usuário dos vales, no intuito de recuperar o déficit pelo oferecimento daquele subsídio/desconto inicial.
Entretanto, a vedação dessa prática, inserida na Lei aprovada, não se aplicará aos contratos de fornecimento de vales já firmados, sendo, então, respeitado o prazo de suas vigências que não poderão ser prorrogadas, ou até que tenha decorrido o prazo de 14 (quatorze) meses contados da data de publicação da Lei – o que ocorrer primeiro.
E, se alguma empresa/bandeira desses vales forem flagradas realizando tal prática de fornecimento de subsídios ou descontos, certamente serão multadas.
PORTABILIDADE
Também foi aprovada e passará a valer a opção de portabilidade gratuita entre planos dos serviços de VR e VA quando solicitada pelo trabalhador, o que corresponde à troca da bandeira do cartão, sem nenhum custo.
Porém, esta regra da portabilidade somente passará a valer a partir de 1º de maio de 2023, conforme previsão legal.
QUEM ACEITAR UMA BANDEIRA TERÁ QUE ACEITAR TODAS
O texto aprovado prevê a chamada interoperabilidade entre as bandeiras dos cartões.
Em outras palavras, entende-se que o trabalhador poderá utilizar seu cartão em restaurantes que não sejam credenciados pela bandeira específica do cartão que possui.
Bastará, para tanto, que o estabelecimento aceite pagamento em vale-refeição ou vale-alimentação para que seus créditos possam ser utilizados, indistintamente.
Esta possibilidade igualmente será permitida para o período posterior a 1º de maio de 2023, considerando a necessidade que as empresas têm para se adaptarem a essa interação.
A expectativa criada em relação a esta novidade é que as empresas ampliem a concorrência, já que os estabelecimentos habilitados a receber pagamento por vales poderão atender qualquer bandeira existente.
SALDO NÃO UTILIZADO EM 60 DIAS NÃO PODERÁ SER SACADO
Inicialmente, o relator do Projeto de Lei desejava que os trabalhadores recebessem os valores relacionados ao benefício, em espécie.
Após pressão de parlamentares e da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel) que alegou prejuízo aos restaurantes, a ideia foi modificada e suscitada a ideia de que o saldo do benefício não utilizado poderia ser sacado pelo trabalhador em moeda corrente somente depois de passados 60 dias de inutilização do crédito fornecido.
Muitas controvérsias surgiram sobre o tema, uma vez que, ao se permitir o saque de valores que deveriam ser destinados à alimentação não se garantiria a primordial finalidade do uso desse benefício.
E, analisando por este prisma, a importância sacada poderia ser considerada uma verba salarial, perante a qual deveria incidir encargos sociais e trabalhistas e originar ações postulando a integração do valor sacado, ao salário do trabalhador.
Entretanto, o trecho que tratava desta matéria que envolvia o saque em espécie da importância não utilizada após 60 dias foi vetado.
O QUE MUDA PARA AS EMPRESAS
Conforme já mencionado, de acordo com a Lei sancionada as empresas de bandeiras de cartões não poderão mais oferecer descontos aos empregadores na hora da contratação de um serviço de vale-refeição ou vale-alimentação para depois cobrar taxas mais elevadas dos estabelecimentos.
Na avaliação dos legisladores tal procedimento fazia com que a alimentação do trabalhador ficasse mais cara, uma vez que o valor era repassado pelos comerciantes ao trabalhador/consumidor final.
Importante ressaltar que estas novas regras não atingem os contratos vigentes, até seu encerramento ou até que tenha decorrido o prazo de 14 (quatorze) meses, contado da data de publicação desta Lei, o que ocorrer primeiro.
Mas, quando as mudanças começarem a valer, empregadores ou empresas que descumprirem as regras estarão sujeitas a multas, que variam de R$ 5 mil a R$ 50 mil.
Também podem ser multados nestes mesmos patamares as empresas que aceitarem pagamento em VR ou VA por produtos que não sejam alimentícios, o que já foi apontado.
Frise-se que o valor dobra em casos de reincidência ou tentativa de obstrução de fiscalizações do trabalho e os critérios de cálculo e os parâmetros de gradação da multa serão estabelecidos em ato do Ministro do Trabalho e Previdência.
Além disso, os estabelecimentos poderão ser descredenciados dos programas de alimentação, perdendo, consequentemente, o incentivo fiscal abaixo relatado.
A respeito da questão tributária a Lei prevê que as pessoas jurídicas poderão deduzir do lucro tributável, para fins de apuração do imposto sobre a renda, o dobro das despesas comprovadamente realizadas no período-base em programas de alimentação do trabalhador (pagamento de refeições em restaurantes e estabelecimentos similares e a aquisição de gêneros alimentícios em estabelecimento comerciais) previamente aprovados pelo Ministério do Trabalho e Previdência.
Por fim, estas são as principais alterações feitas em relação ao tema que envolve os benefícios do vale-refeição e do auxílio-alimentação, sendo relevante que todos os envolvidos – seja com o fornecimento, com a utilização e com o recebimento dos cartões em comento – fiquem atentos, principalmente após o dia 05 de outubro de 2022, para que não sofram prejuízos ou penalidades decorrentes da equivocada utilização do auxílio.